Texto original publicado por Marcio Rossi em Brejas 24/03/2010
O mito da cerveja má
Terminaram devorados nossos parentes do pleistoceno que indagaram-se sobre as intenções do Tigre de Sabre encontrado no caminho de volta a aldeia. Decidir rapidamente entre bom e mau foi uma habilidade essencial na evolução da humanidade. Tanto que o mundo foi separado dessa forma. Tudo fazia sentido e sobrevivíamos para deixar descendentes e assim dar continuidade da espécie. O efeito colateral deixado foi a incorrigível compulsão por separar tudo entre dois extremos opostos, qualificando tudo que se apresente de uma forma ou de outra.
O sujeito passou a vida bebendo da mesma cerveja. Em sua trajetória passou por alguns rótulos e por fim escolheu o seu. Inspirado pelo instinto ancestral, ele separou o mundo da cerveja entre boa – a dele – e má, as dos outros. Havia paz e equilíbrio. Alheio ao fato de que as boas e as más eram mais ou menos parecidas, ele seguiu feliz até esbarrar em outro tipo de cerveja. Então ele precisou decidir se continuaria pelo caminho de onde vinha ou se exploraria o universo de opções que se apresentava. Minha história e provavelmente a sua coincidem com a segunda alternativa, vamos falar mais dela.
A passagem de um estilo de cerveja e meia dúzia de rótulos para centenas de estilos e milhares de rótulos pode ser confusa. Dessa forma, recorremos ao instinto ancestral e implementamos a dualidade que nos permite ver as coisas de forma organizada: a cerveja que bebíamos era ruim, a que bebemos agora é boa. O neófito se informa, alarga seu conhecimento, experimenta. Acaba descobrindo como a cerveja é feita e acredita entender porque a cerveja que ele bebia antes – e a grande maioria do universo ainda bebe – seria ruim. Lei da Pureza, puro malte, lúpulo, lager e ale integram o novo vocabulário. E nesse ponto ocorrem uma profusão de equívocos envolvendo o ponto central deste artigo: afinal de contas, o que é cerveja boa?
O sujeito passou a vida bebendo da mesma cerveja. Em sua trajetória passou por alguns rótulos e por fim escolheu o seu. Inspirado pelo instinto ancestral, ele separou o mundo da cerveja entre boa – a dele – e má, as dos outros. Havia paz e equilíbrio. Alheio ao fato de que as boas e as más eram mais ou menos parecidas, ele seguiu feliz até esbarrar em outro tipo de cerveja. Então ele precisou decidir se continuaria pelo caminho de onde vinha ou se exploraria o universo de opções que se apresentava. Minha história e provavelmente a sua coincidem com a segunda alternativa, vamos falar mais dela.
A passagem de um estilo de cerveja e meia dúzia de rótulos para centenas de estilos e milhares de rótulos pode ser confusa. Dessa forma, recorremos ao instinto ancestral e implementamos a dualidade que nos permite ver as coisas de forma organizada: a cerveja que bebíamos era ruim, a que bebemos agora é boa. O neófito se informa, alarga seu conhecimento, experimenta. Acaba descobrindo como a cerveja é feita e acredita entender porque a cerveja que ele bebia antes – e a grande maioria do universo ainda bebe – seria ruim. Lei da Pureza, puro malte, lúpulo, lager e ale integram o novo vocabulário. E nesse ponto ocorrem uma profusão de equívocos envolvendo o ponto central deste artigo: afinal de contas, o que é cerveja boa?
Equívoco número 1: Reinheitsgebot, A Lei da Pureza.
Ela costuma ser invocada como garantida de qualidade. Para começar, a Reinheitsgebot define apenas uma escola específica, a alemã, enquanto temos ainda pelo menos outras duas escolas clássicas, a inglesa e a belga, sendo que esta última usa e abusa de adjuntos – inclusive açucar – para produzir algumas das melhores do mundo. Ou seja, existe cerveja boa que não é Reinheitsgebot. E vice-versa. Sim, vice-versa. A cerveja pode seguir rigorosamente a Lei da Pureza e ficar ruim devido a problemas no processo de fabricação, carregando consigo os famigerados off flavours.
Equívoco número 2: cerveja leve é medíocre, é água suja.
Temos mais de uma centena de estilos oficiais de cerveja, alguns deles especificam cervejas leves. Elas são, disparado, o tipo mais consumido do planeta. E não é por mero acaso: as pale lagers são cervejas refrescantes fáceis de gostar por serem leves e pouco amargas. E são dificilíssimas de serem feitas. Exatamente devido à leveza, o processo deve ser rigorosamente controlado pois qualquer concentração de off – flavor ficaria destacada. Isso efetivamente acontece com muitas cervejas comerciais e tem pouco a ver com os ingredientes usados ou mesmo estabilizantes e antioxidantes. Sobretudo, essas cervejas são feitas em volumes oceânicos em estabelecimentos dispersos e precisam manter suas características, uma proeza hercúlea. E ainda assim, existem exemplos de boas cervejas comerciais, leves e bem feitas.
Equívoco número 3: O milho e os famigerados cereais não maltados.
Virou moda entre os neófitos desdenhar cervejas comerciais porque seriam supostamente feitas de cereais não maltados (mesmo por gente que sequer tem idéia do que seja malte), marcadamente milho. Coitado do milho. Jack Daniels é feito de milho e é um bourbon de sucesso. Muita coisa boa é feita de milho. Cerveja não, é verdade. Mas a César o que é de César. No passado o uso de gritz de milho e arroz (grão triturado e no caso do milho separada a parte oleaginosa) servia como fonte adicional de nutriente para a levedura. Dá tanto trabalho para processar que tem caído em desuso e muitas cervejas que declaram cereais não maltados em seu rótulo não utilizam nenhum, apenas deixaram a descrição pela comodidade de poder utilizá-los se e quando necessário. A bola da vez se chama high maltose e é um açucar idêntico ao encontrado no malte, mas extraído do xarope de milho e sem interferência direta no sabor da bebida. O famoso aroma de milho cozido das cervejas leves deve-se a um composto chamado de DMS que tem sua origem no malte. Sim, no malte. Você encontrou aroma de legumes cozidos, milho em sua cerveja? É um defeito e também uma prova de que ela foi feita com malte! Sobretudo, existe uma legislação nacional, a nossa lei da cerveja segundo a qual um máximo de 10% do peso do extrato primitivo pode ser de açucares adicionados, sendo os adjuntos permitidos até o máximo de 45% do total do extrato.
Mas afinal, o que faz uma boa cerveja?
Ingredientes de qualidade combinados em uma boa receita executada em um processo controlado. O componente final é você. A cerveja pra ser boa, tem agradar a você. Não interessa se agrada a todo o mundo e para você não tem graça. Do mesmo modo, é preciso respeitar a escolha alheia, evitando a armadilha da arrogância ao posicionar-se diante de pessoas com preferências diferentes, ainda mais se a intenção for beer-evangelizá-las.
Muito bom o seu post. Esclarecedor e importante para quem quer se aprofundar mais no assunto. Parabéns
ResponderExcluirMuito bom! parabéns!
ResponderExcluirMuito interessante os pontos abordados aqui. Esse mau juízo que a gente faz das cervejas especiais que não provamos, ou achamos que só a nossa que é boa. E que a Lei da Pureza vai garantir qualidade e sabor, o que nem sempre é verdade!
ResponderExcluirMuito bom!